Como a Lei Magnitsky reposiciona o papel das sanções internacionais e desafia os limites da soberania nacional?
Em um cenário internacional cada vez mais atento aos direitos humanos e ao combate à corrupção transnacional, a Lei Magnitsky tem se consolidado como um instrumento jurídico e político de alcance global. Criada nos Estados Unidos em 2012, a legislação homenageia Sergei Magnitsky, advogado russo que morreu após denunciar um esquema de corrupção. A resposta legislativa norte-americana foi direta: aplicar sanções individuais a agentes públicos e privados estrangeiros envolvidos em violações graves de direitos humanos ou corrupção sistêmica. Posteriormente, com a promulgação da versão global (Global Magnitsky Act, 2016), o escopo foi ampliado para qualquer nacionalidade e inspirou legislações similares no Reino Unido, Canadá, Austrália, União Europeia e outros parceiros estratégicos.
A adoção desse tipo de norma simboliza uma nova forma de diplomacia, na qual Estados utilizam seus próprios instrumentos legais para punir indivíduos considerados ameaças aos princípios democráticos. Na prática, essas sanções incluem bloqueio de contas, congelamento de bens, proibição de entrada em países e exclusão de sistemas financeiros globais. As medidas têm sido direcionadas a figuras influentes — oligarcas russos, militares chineses, altos oficiais da Venezuela e de Myanmar — com efeitos econômicos e políticos relevantes, especialmente quando coordenadas entre nações.
O Brasil, até o momento, não possui um arcabouço legal equivalente. As sanções adotadas pelo país seguem majoritariamente os trâmites multilaterais e os princípios constitucionais da não intervenção e da solução pacífica de controvérsias. Ainda assim, cidadãos brasileiros podem ser afetados por legislações estrangeiras inspiradas nesse modelo.
A discussão sobre a criação de um mecanismo semelhante no país ainda é embrionária, mas começa a ganhar espaço. Defensores da proposta argumentam que o Brasil, ao aderir ao debate global sobre sanções direcionadas, reforçaria seu compromisso com a democracia e os direitos humanos, além de ganhar autonomia para responder a crises regionais. Por outro lado, críticos alertam para o risco de politização do instrumento e os desafios de compatibilizá-lo com as garantias constitucionais brasileiras.
Esse novo paradigma jurídico, portanto, ultrapassa seu caráter original e marca uma virada na forma como se responsabiliza agentes por crimes antes impunes fora de seus países. Para o Brasil, trata-se de um debate que envolve riscos, mas também oportunidades: mais exposição a sanções externas, sim — mas também a chance de afirmar um papel proativo e responsável na governança internacional dos direitos humanos.
Texto: Mariana Pimentel – Consultora do CAM/FRB