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É possível “plantar” água?

Práticas que unem ciência, natureza e ação comunitária demonstram que restaurar ecossistemas e adotar tecnologias sustentáveis pode ser a chave para garantir água no futuro

A expressão “plantar água” pode soar como uma metáfora, mas descreve um conjunto crescente de práticas e tecnologias voltadas à recuperação de mananciais, ao aumento da infiltração da chuva no solo e à recarga dos aquíferos. Em tempos de secas severas e mudanças climáticas, a questão deixou de ser apenas retórica: governos, agricultores e cidades buscam alternativas para assegurar a disponibilidade de água sem depender exclusivamente de barragens ou desvios de rios. A ideia central é simples: ao cuidar da terra e da vegetação, devolve-se à natureza a capacidade de armazenar e liberar água de forma equilibrada.  

No Brasil, as chamadas barraginhas tornaram-se símbolo dessa lógica. Pequenas bacias escavadas no solo, instaladas em áreas agrícolas, retêm a água da chuva e favorecem sua infiltração. Essa técnica, difundida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), já recuperou milhares de nascentes e ampliou o abastecimento de comunidades rurais no Cerrado e no Semiárido. Outro exemplo são os sistemas agroflorestais, que integram o cultivo de alimentos com árvores nativas, reduzindo a erosão, ampliando a biodiversidade e mantendo o ciclo da água em equilíbrio. Projetos desse tipo, implantados em regiões como o Vale do Ribeira (SP) e o norte de Minas Gerais, vêm apresentando resultados consistentes na proteção de nascentes. 

Nas cidades, cresce o investimento em infraestrutura verde. Jardins de chuva, pavimentos permeáveis e telhados verdes funcionam como filtros naturais, retendo parte da água das tempestades e permitindo sua infiltração no solo. Além de reduzir enchentes, essas soluções aliviam o sistema de drenagem urbana e contribuem para a recarga dos aquíferos. Experiências em capitais como Curitiba e São Paulo já incluem esses dispositivos em parques, praças e avenidas. 

No cenário internacional, há exemplos inspiradores. Espanha e Israel têm investido em projetos de recarga artificial de aquíferos, nos quais a água da chuva ou tratada é direcionada para áreas de infiltração controlada, evitando o esgotamento das reservas subterrâneas. Nos Estados Unidos, cidades como Nova York e Portland utilizam corredores verdes e zonas de retenção para conter enchentes e garantir qualidade hídrica. Já na China, o conceito de “cidades-esponja” busca transformar áreas urbanas em ambientes capazes de absorver até 70% da água da chuva, reduzindo inundações e promovendo o reaproveitamento local. 

As políticas públicas também desempenham papel decisivo. O Programa Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), remunera agricultores que preservam matas ciliares e nascentes, estimulando a conservação como atividade econômica. Em Minas Gerais, o Projeto Manuelzão revitalizou trechos do Rio das Velhas, principal afluente do São Francisco, por meio de ações de reflorestamento e educação ambiental. Esses exemplos mostram que a prática de “plantar água” envolve não apenas técnica, mas também integração entre ciência, sociedade e gestão pública. 

Especialistas reforçam que “plantar água” é, na verdade, restaurar o ciclo hidrológico. Ao proteger a vegetação nativa, sobretudo em áreas de recarga, e adotar práticas agrícolas sustentáveis, aumenta-se a capacidade do solo de absorver e reter água. Com isso, rios mantêm vazões mais estáveis, diminuem-se os riscos de secas prolongadas e garante-se qualidade hídrica para o consumo humano e a produção de alimentos. Além disso, a recarga de aquíferos ajuda a prevenir crises de abastecimento em grandes cidades, que já sentiram os efeitos das estiagens recentes. 

O futuro aponta para a integração dessas soluções. Tecnologias de baixo custo, como barraginhas e jardins de chuva, podem ser combinadas a sistemas digitais de monitoramento de aquíferos e a programas de restauração florestal em larga escala. Globalmente, iniciativas como a Década da Restauração dos Ecossistemas, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), reforçam a urgência de recuperar paisagens degradadas como estratégia para enfrentar a crise hídrica e climática. 

Assim, a pergunta inicial encontra resposta prática: é possível “plantar” água ao plantar árvores, conservar o solo e restaurar ecossistemas. As soluções já existem, mas dependem de escolhas políticas, participação comunitária e investimento contínuo. Preservar rios e mananciais é mais do que uma ação ambiental, é um compromisso com a segurança hídrica das próximas gerações. 

 

Texto: Arnaldo F. Vieira – Ascom Subseção/SP 

Revisão: Tamires Lopes – Ascom FRB  

Imagem: Bigstock 

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