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ODS 2 – Fome zero e agricultura sustentável: por que a ONU colocou a alimentação no topo da Agenda 2030

A meta de acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável, definida como o Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 2, surge de uma constatação preocupante: a fome voltou a crescer no mundo. Desde 2015, o custo das dietas saudáveis vem aumentando, e a má nutrição, da desnutrição à obesidade, ameaça o futuro de uma geração. Embora existam avanços, o ritmo atual é insuficiente, e, nos últimos anos, o Brasil voltou a apresentar quedas expressivas nos índices de fome severa.

A ONU destacou essa prioridade na Agenda 2030 por reconhecer que a fome e a insegurança alimentar são barreiras diretas aos demais objetivos de desenvolvimento, como saúde, educação, trabalho e paz. Em termos oficiais, é preciso “intensificar esforços para transformar os sistemas alimentares, garantir segurança alimentar e investir em práticas agrícolas sustentáveis”. A experiência dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) já havia mostrado que combater a fome é condição essencial para qualquer desenvolvimento. Ao migrar para os ODS, os países reconheceram que o problema persistia agravado por conflitos, crises climáticas, desaceleração econômica e inflação de alimentos, que reduziram o poder de compra das famílias. A própria ONU registra que, desde 2015, a fome voltou a subir no mundo.

O relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2025 (SOFI 2025) confirma o alerta: cerca de 673 milhões de pessoas sofreram fome em 2024, o equivalente a 8,2% a 8,3% da população mundial. Apesar de uma leve melhora em relação a 2023, o quadro piorou em várias regiões, especialmente na África, onde mais de um em cada cinco habitantes enfrenta fome. Além disso, 2,3 bilhões de pessoas viviam em insegurança alimentar moderada ou grave, um aumento de 336 milhões desde 2019.

Outro fator decisivo para o ODS 2 foi a constatação de que o custo e a acessibilidade a dietas saudáveis vêm se deteriorando. Mesmo onde há oferta de alimentos calóricos e baratos, faltam nutrientes essenciais, o que leva famílias a padrões alimentares inadequados. O SOFI 2025 reforça que a inflação de alimentos enfraqueceu o acesso à alimentação equilibrada, sobretudo entre as populações de baixa renda.

A dupla face da má nutrição

A ONU enfatiza que “fome zero” não se limita a encher o prato, mas garantir nutrição adequada. Em 2024, 150,2 milhões de crianças menores de cinco anos apresentavam déficit de estatura, 42,8 milhões sofriam de emagrecimento agudo e 35,5 milhões estavam com sobrepeso, um retrato da dupla carga da má nutrição. Entre crianças e adolescentes, o sobrepeso já supera o baixo peso, reflexo de ambientes alimentares dominados por ultraprocessados e marketing agressivo.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) defende há anos políticas mais rigorosas de regulação alimentar e programas escolares de alimentação saudável. As agências da ONU recomendam transformar os sistemas alimentares com foco em proteção social, compras públicas de alimentos saudáveis, agricultura resiliente ao clima e cadeias curtas de produção, valorizando a agricultura familiar.

Dessa forma, o relatório SOFI e a plataforma oficial dos ODS apontam que, para cumprir as metas até 2030, será necessário acelerar políticas e investimentos nessas frentes.

Casos concretos mostram o impacto dessas políticas

Países que mantiveram redes de proteção social e programas de alimentação escolar consistentes resistiram melhor à pandemia e à inflação de alimentos. Já onde o financiamento é frágil, a fome voltou a aumentar. A ONU e a OMS resumem: embora o número de pessoas com fome tenha caído levemente em 2024, ele cresceu em sub-regiões da África e da Ásia Ocidental, e o mundo segue fora da trajetória para eliminar a fome até 2030.

No Brasil, após forte piora entre 2015 e 2022, o país registrou expressiva redução da fome severa. Segundo o SOFI 2024, a insegurança alimentar severa caiu 85% em 2023, passando de 17,2 milhões de pessoas (8% da população) em 2022 para 2,5 milhões (1,2%) em 2023. O governo federal atribui essa melhora à retomada das políticas de proteção social e abastecimento.

Em 2025, análises internacionais destacaram que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome, com queda acelerada da insegurança alimentar em dois anos, resultado de políticas que combinam acesso à renda e fortalecimento da agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O PAA, reinstituído por lei em 2023, aproxima agricultores familiares de mercados institucionais, diversifica cardápios e gera renda nos territórios. Já o PNAE determina que pelo menos 30% dos recursos federais destinados à merenda sejam aplicados na compra direta da agricultura familiar, consolidando uma estratégia de segurança alimentar e desenvolvimento local.

O ODS 2 foi escolhido porque nenhum país prospera com populações desnutridas, doentes ou mal alimentadas. A fome compromete o aprendizado, reduz a produtividade, eleva custos de saúde e pode desestabilizar sociedades. Apesar de um leve alívio em 2024, persistem riscos como inflação de alimentos, choques climáticos, conflitos e endividamento público. A resposta indicada pela ONU passa por ciência, inovação, financiamento coordenado e políticas de proteção social que assegurem acesso universal a dietas saudáveis, colocando agricultores familiares no centro da transição alimentar.

 

Texto: Arnaldo F. Vieira – Ascom Subseção/SP
Revisão: Tamires Lopes – Ascom/FRB

Crédito da imagem: Freepik

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