Leonardo Barreto
Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília e coordenador acadêmico da Fundação Republicana Brasileira
Não há como negar que o mundo mudou após a internet. Entre as mil coisas novas que foram possibilitadas às pessoas, destacam-se a sua capacidade de mobilizar indivíduos e de criar arenas de debate público de forma extremamente veloz, ambas as coisas, funções célebre que eram exercidas quase que exclusivamente por organizações, como os partidos políticos. Na realidade, que eventos como a primavera árabe ou os inconformados de Madri, Atenas, Lisboa e Estados Unidos mostraram que hoje parece ser possível desestabilizar o status quo vigente e promover mudanças políticas sem partidos e, muitas vezes, contra eles.
De fato, vigora hoje a impressão de que as pessoas não necessitam mais de intermediários entre elas e o poder. Que os atalhos abertos pela internet e pelas redes sociais permitirão ao cidadão interagir diretamente com o governo. A utopia da democracia direta parece estar ao alcance desse novo cidadão digital, dispensando de vez as agremiações partidárias.
Será? Os partidos estão fadados à extinção? Ou há lugar para os partidos políticos no mundo hiperconectado e sem intermediários? E se há, como eles devem ser? Que tipo de transformações internas eles devem promover? Essa é a resposta que todos estão buscando hoje, cientistas políticos, dirigentes partidários, governo e todos que se interessam pelo tema. Para chegarmos a uma resposta, é importante remontarmos as funções básicas de uma agremiação partidária.
Segundo sua conceituação clássica, um partido é formado a partir da união de pessoas com opiniões políticas semelhantes. Considere, por exemplo, que um país qualquer tivesse que tomar uma decisão a respeito daquilo que vai ser ensinado para as crianças nas escolas e que as pessoas fossem chamadas a opinar. Obviamente, teríamos milhões de sugestões diferentes, o que dificultaria um veredito final.
Entretanto, a dinâmica interna do processo decisório aproximará paulatinamente as pessoas com opiniões semelhantes. Em grupos, elas aparariam suas arestas e formariam uma opinião de consenso. Como coletividades são mais fortes do que indivíduos isolados, logo elas assumiriam a dianteira do debate, pressionando o governo a decidir segundo sua vontade.
Com a maior parte da população reunida em torno das propostas de consenso produzidas por esses grupos, o debate, que estava perdido dentre uma infinidades de opiniões pessoais, passa a ficar restrito entre algumas plataformas que resumem de forma mais ou menos fiel a vontade de maioria das pessoas. Nesse sentido, eles começam a organizar o jogo político, agregando vontades individuais e transformando-as em vontades coletivas.
Alguém pode defender que sindicatos dos professores ou associações de pais e mestres poderiam exercer essa função com mais competência e conhecimento de causa, sem a necessidade de partidos políticos, por exemplo. No entanto, é preciso estar atento para o fato de que os países não resolvem seus problemas de forma sequencial, ou seja, estabelecendo uma agenda programada de assuntos que serão tratados um de cada vez.
Pelo contrário, em locais complexos e em sociedades em desenvolvimento, onde tudo é prioritário, uma porção de temas são tratados simultaneamente. Agora imagine reunir todas as organizações específicas, sobre os mais variados temas, o tempo todo, para resolver sobre eles. Provavelmente, não haveria nem espaço físico que comportasse tanta gente. Talvez o resultado se assemelhasse ao de uma rede social como a do Facebook, onde todo mundo tem um ponto e há pouca convergência sobre qualquer coisa.
E transformar a arena política em um imenso Facebook, interessa? Esse debate é riquíssimo. Por enquanto, há mais especulações do que certezas. O risco maior, certamente, seria o ambiente de decisões se tornaria extremamente instável, com questões surgindo e desaparecendo quase que instantaneamente, da noite para o dia e sendo decididas como muito mais emoção do que reflexão. Por isso, é preciso cuidado.
Há muita gente boa afirmando que o futuro da comunicação está nas redes sociais. E que o da política também. Não há dúvida de que uma alteração importante da forma como a gente se relaciona com as instituições políticas está em curso. Mas, a partir daí, poder taxar o fim do mundo tal como o conhecemos, é um pouco de exagero.
Sem dúvida, cabe aos partidos se adequarem, se aproveitarem dessas novas tecnologias para difundir ideias, conquistar novos adeptos e construir a nova posição que eles ocuparão perante a sociedade. Entretanto, não parece ser o caso de temer pelo seu fim, pois a sua função organizadora a aglutinativa continua essencial para a estabilidade e a previsibilidade do jogo político. O mais provável é que alguns se saiam melhor nessa nova realidade e outros sejam enterrados por ficarem presos aos padrões antigos de comunicação e relacionamento político. Dessa maneira, há muito dever de casa a ser feito e o futuro vai pertencer àqueles que melhor lidarem com essas mudanças.