Se você ouvisse que a operação Lava Jato está mostrando o quanto o Brasil mudou para melhor, você acreditaria? Pode parecer loucura ou propaganda eleitoral dizer que um escândalo que envolve dezenas de políticos, partidos, o governo federal, alguns governos estaduais, as maiores construtoras do país e a Petrobras esteja mostrando que ventos novos estão soprando por aqui, mas não é.
Sem querer parecer ingênuo (único pecado que a política não admite), o fato é que nunca houve um ambiente institucional tão hostil para suspeitos de corrupção como há agora. Tudo resultado de um processo paulatino e incremental de mudanças que, sem que muita gente percebesse, fez com que a lei passasse a jogar a favor de quem vigia e investiga.
A operação Lava Jato dificilmente teria chegado onde chegou sem a nova lei do crime organizado, aprovada pelo Congresso Nacional em 2013. Foi ela que potencializou o instrumento da delação premiada que serviu de catalizador das denúncias feitas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. Os acordos de leniência previstos na lei de defesa econômica estão sendo importantes para que as empresas colaborarem em troca do alívio penal e quando a Lei Anticorrupção, aprovada também em 2013, for regulamentada, não apenas os executivos de empresas responderão criminalmente, como as pessoas jurídicas que eles representam poderão sofrer consequências. A tendência é que as companhias criem regulamentações éticas mais rígidas para controlar o comportamento dos seus operadores e melhorem suas estruturas de governança.
No campo político, duas mudanças tornaram os políticos envolvidos com corrupção mais suscetíveis de punição. A primeira é a conhecidíssima ficha limpa, que retira das disputas eleitorais personagens com condenação em segunda instância. Criada em 2010, ela foi fruto de uma intensa campanha da sociedade civil que apresentou a ideia na forma de um projeto popular e pressionou o Congresso Nacional pela sua aprovação. A segunda é o fim do voto secreto em processos de cassação parlamentar, aprovado em 2013 sob o calor gerado pelas manifestações de junho. Com as pessoas vigiando o voto dos parlamentares, dificilmente algum réu com indícios de problemas sobreviverá a julgamentos de perda de mandato.
Sobre o funcionamento da Justiça, recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu mudar o seu regimento interno, transferindo o julgamento de autoridades com direito a foro privilegiado do plenário para as turmas, diminuindo o número de julgadores de onze para cinco. O objetivo é reduzir o tempo dos julgamentos pelo menos pela metade, dado que passa-se a ter com a alteração menos votos para serem lidos, menos juízes para pedirem vistas ao processo, menos movimentos protelatórios, etc. Como sinal de que a medida é efetiva e torna a vida dos acusados mais difícil, o ato do Supremo despertou a reação do Congresso Nacional, que entrou com uma ação de inconstitucionalidade para reverter a medida.
Tudo isso sem falar da independência do Ministério Público, garantida pela Constituição de 1988 e pela decisão política do fortalecimento da autonomia da Polícia Federal, que data de antes deste governo.
É natural que governantes queiram obter o crédito pelas mudanças institucionais relatadas. Isso sempre vai acontecer e, convenhamos, será muito bom para o país se o combate efetivo à corrupção se tornar um poderoso ativo eleitoral, pois teremos mais gente empenhada nisso. No entanto, a variável que melhor explica os acertos recentes é a vigilância e a pressão da sociedade. Não é coincidência que o fim do voto secreto para cassações e as leis de combate ao crime organizado e anticorrupção tenham sido aprovadas em 2013. Mesmo reconhecendo que há mérito quando as organizações de poder são sensíveis às demandas de seus cidadãos, o verdadeiro fator de mudança é a presença das pessoas no processo político.
Há uma agenda enorme ainda por enfrentar, como a reforma do judiciário, do processo penal, entre outros. Como trabalhos de construção institucional nunca ficam prontos, precisando sempre de aprimoramentos, o importante é saber que estamos caminhando em uma boa direção. Durante a campanha, a presidente Dilma sinalizou com cinco projetos que aumentam o cerco à corrupção e seria muito bom que ela cumprisse com sua palavra. No entanto, a esta altura, já espero que tenha ficado claro que o que faz a diferença é a eterna vigilância (e cobrança) das pessoas, como dizia Thomas Jefferson.
Sem deixar de reconhecer o mérito do juiz paranaense Sérgio Mouro, que hoje é candidato a substituir o ex-ministro Joaquim Barbosa como herói nacional, a recuperação recorde de recursos desviados, a colaboração de empresários e o receio geral, que tomou conta do meio político é consequência de um aprimoramento institucional intenso e importante que vem acontecendo desde a redemocratização. Além disso, se é bom que um país tenha capacidade de produzir heróis, não é recomendável que um povo dependa deles. Um bom país se faz com a aplicação de boas regras.
*As opiniões correspondem ao autor do texto e não necessariamente expressam o posicionamento da Fundação Republicana Brasileira e do Partido Republicano Brasileiro
Por Leonardo Barreto, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília e coordenador acadêmico da FRB*