O início do ano foi marcado pelas cenas de barbárie de presos degolados na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão. Já havia algum tempo que notícias desse caos humano chegavam de lá. Mas foi apenas com o pedido de explicações da comissão de direitos humanos da ONU feito junto ao governo brasileiro que a atenção da opinião pública foi despertada para o caso.
A culpa logo recaiu sobre o governo e principalmente sobre a família Sarney, que exerce influência política no estado há muito tempo. A indignação foi tão longe que um grupo de cidadãos do Rio de Janeiro começou a recolher assinaturas para pedir o impedimento de Roseana Sarney, no Maranhão.
Acusar um estado ou uma família da matança de Pedrinhas é promover uma leitura simplista do problema. Para começar, antes do Maranhão, tivemos o Carandiru em São Paulo, diversas mortes em Bangu, no Rio de Janeiro, o massacre de Urso Branco, em Rondônia e muitos outros para nos lembrar que o problema é nacional.
O problema de fundo e de resolução mais difícil nesse caso não é a incompetência dos políticos, mas é o o sentimento da sociedade de modo geral (sempre há exceções) de não se incomodar muito com essas mortes. Na verdade, mesmo que não admitam, muitos se sentiram felizes e até vingados. Ou não?
Ontem, ao ler a notícia do lamento do pai de um dos presos assassinados que chorava as mais de 100 perfurações encontradas no corpo do seu filho, acabei indo até os comentários feitos pelos leitores e encontrei a frase que, para mim, é mais apavorante do que a sorte dos decapitados: “meu solidário BEM FEITO rs” (sic).
Acredito que o autor desse comentário não tenha noção do quanto as suas palavras estão enraizadas nas piores tradições que temos. Ele não apenas negou o direito à vida do preso e o direito do pai de chorar a morte do filho. Também negou a qualquer preso o direito à humanidade.
Independente do que o rapaz tenha feito, há coisas que não podem ser flexibilizadas e a humanidade é a principal delas. Ignorar isso seria retroceder centenas de anos na nossa história, seria dizer que a matança nazista não nos ensinou coisa alguma e que a cultura da morte venceu.
A barbárie não pode ser aceita em nenhum lugar e sob nenhuma circunstância. Muito sangue já foi engolido pela terra para que aprendêssemos esta lição. Não é possível dizer que somos civilizados enquanto celebramos cabeças cortadas e mutilamos as famílias no seu direito sagrado de chorar seus mortos. Sem extirpar a violência que existe dentro de nós, não haverá paz, sono tranquilo, nem cordialidade, esteja o cidadão preso ou livre. Ou quebramos a lógica da violência, ou ela prevalecerá, nos proporcionando apenas, nas palavras de Thomas Hobbes, a existência “embrutecida, curta e marcada pelo medo da morte violenta”.
Mauro Silva – presidente da Fundação Republicana Brasileira