Das “tecnologias adequadas” às práticas de mobilização cidadã: iniciativas que integram saberes e políticas públicas para promover a inclusão e melhorar as condições de vida no Brasil
As Tecnologias Sociais vêm ganhando espaço como uma proposta que transcende os conceitos tradicionais de tecnologia. Diferente dos desenvolvimentos voltados apenas para ganhos econômicos ou avanços industriais, elas englobam métodos, processos e ferramentas criadas e adaptadas para solucionar problemas sociais de maneira participativa e democrática.
Dessa forma, as tecnologias sociais são soluções simples, muitas vezes desenvolvidas com base na resolução de problemas vividos diariamente por comunidades. Com a popularização dos meios digitais, essas tecnologias têm se destacado ainda mais, tornando-se exemplos inspiradores para outros grupos sociais. Elas mostram como desafios podem ser superados com criatividade, espírito empreendedor e, frequentemente, com foco na sustentabilidade.
Origens
O termo “tecnologias sociais” possui raízes internacionais na ideia de “tecnologia adequada”, que ganhou notoriedade na década de 1970, quando pensadores, como E.F. Schumacher, defendiam soluções tecnológicas adaptadas às realidades e necessidades locais.
No cenário global, o foco estava em desenvolver alternativas que respeitassem o meio ambiente, fossem de fácil manutenção e que pudessem ser reproduzidas em contextos diversos. No Brasil, o conceito começou a se consolidar a partir dos anos 90, quando movimentos sociais, universidades e órgãos governamentais passaram a reconhecer o valor dos saberes populares e da participação comunitária na solução de problemas. Essa convergência de iniciativas resultou na criação de práticas que privilegiavam o envolvimento direto das comunidades e buscavam a transformação social por meio de métodos que considerassem as especificidades locais.
Um exemplo de tecnologia social é o soro caseiro. A receita (duas medidas de açúcar e uma de sal, dissolvidas em 200 mililitros de água), amplamente conhecida pelas mães, mostrou-se fundamental na prevenção da desidratação e na preservação da vida de milhares de crianças ao redor do mundo. A verdadeira origem da fórmula permanece incerta: pode ter sido idealizada por uma avó atenta aos episódios de vômitos e diarreia do neto, ou por uma mãe empenhada em repor a perda de líquidos e sais minerais do filho. Independentemente de quem tenha sido o seu criador, o essencial é reconhecer que o soro caseiro possui eficácia comprovada tanto pela medicina quanto pelo uso popular, e que essa solução pode ser adaptada a diversas situações e contextos globais.
Aplicações na Sociedade Brasileira
No contexto brasileiro, as Tecnologias Sociais são implementadas em diversas áreas:
- Na educação, em projetos que utilizam metodologias ativas e participativas, incentivando a construção coletiva do conhecimento e o protagonismo estudantil;
- Na saúde pública, com a adoção de práticas que envolvem a comunidade na prevenção de doenças e na promoção da saúde, como grupos de apoio e rodas de conversa sobre hábitos saudáveis;
- No urbanismo e meio ambiente, através de iniciativas de planejamento urbano participativo, mapeamento social e projetos de sustentabilidade que buscam integrar a população na criação de espaços públicos mais inclusivos.
- Na inclusão social, com a realização de programas voltados à capacitação de populações vulneráveis, promovendo a autonomia e a melhoria das condições de vida, seja por meio de cooperativas ou de redes de economia solidária.
Desta forma, cada uma dessas áreas mostra como as Tecnologias Sociais atuam de forma sinérgica, valorizando a experiência e o conhecimento local para construir soluções que realmente atendam às demandas da população.
Em 2022, durante uma entrevista para a revista Forbes Digital, Saulo Barreto, cofundador do IPTI (Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação) e um dos maiores divulgadores das Tecnologias Nacionais em todo o país, declarou que
“somos o povo estrategicamente mais bem posicionado do mundo para gerar soluções inovadoras que possam tornar nosso mundo melhor, mais justo e mais belo. Por um lado, temos recursos financeiros, imbatível capacidade de se virar (nosso “sivirismo”), criatividade, entre diversos outros valores, e por outro, temos problemas que são similares aos países mais subdesenvolvidos.”
O papel dos entes políticos
A efetivação e a ampliação das Tecnologias Sociais dependem, em grande medida, da atuação dos diversos entes políticos. Governos em todos os níveis, municipal, estadual e federal, desempenham funções essenciais para a consolidação dessas práticas. Isso ocorre, por exemplo, por meio da formulação de políticas públicas, da criação de marcos legais e da implementação de programas de incentivo que estimulem o uso de metodologias participativas e a valorização dos saberes populares.
Além disso, o financiamento e o apoio técnico a projetos-piloto, bem como as parcerias com universidades, ONGs e cooperativas, contribuem diretamente para a implementação de iniciativas baseadas em Tecnologias Sociais.
Ao reconhecerem o potencial transformador dessas tecnologias, os entes públicos não apenas fortalecem a cidadania, mas também criam condições para um desenvolvimento mais justo e sustentável.
Sendo assim, em um cenário em que a tecnologia muitas vezes é percebida como uma ferramenta de exclusão, a abordagem social propõe uma inversão de paradigma. Ao promover a integração entre o conhecimento técnico e os saberes populares, as Tecnologias Sociais se apresentam como uma alternativa viável e necessária para o desenvolvimento humano e para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e participativa.
Texto: Arnaldo F. Vieira – Ascom FRB Subseção/SP
Revisão: Tamires Lopes – Ascom FRB
Imagem: Internet