Justiça sem fronteiras: os efeitos reais das sanções internacionais – Conjuntura Republicana Ed. nº 222

Justiça sem fronteiras: os efeitos reais das sanções internacionais – Conjuntura Republicana Ed. nº 222

Criada inicialmente pelos Estados Unidos e hoje adotada por diversos países, como Reino Unido, Canadá e União Europeia, a Lei Global Magnitsky permite a aplicação de sanções unilaterais a indivíduos estrangeiros acusados de corrupção ou violação de direitos humanos. As penalidades variam desde o bloqueio de bens até restrições bancárias e de viagens — e, embora façam parte do arsenal diplomático dos Estados, seus efeitos práticos costumam ultrapassar a esfera política

A história da jornalista russa Marina Ovsyannikova é um exemplo claro de como essas medidas impactam a vida pessoal dos sancionados. Após protestar contra a guerra na Ucrânia durante uma transmissão da TV estatal russa, Marina foi alvo de sanções internacionais. Desde então, sua rotina foi profundamente alterada: sem acesso a contas bancárias, ela passou a guardar dinheiro em espécie dentro de casa para lidar com despesas básicas.

Além disso, enfrentou restrições inesperadas — reservas de hotéis recusadas, impossibilidade de realizar compras on-line, cancelamento de contratos e dificuldades para adquirir passagens aéreas. Em muitos casos, companhias e plataformas privadas evitam transações com indivíduos sancionados, mesmo sem exigência judicial formal. O resultado é uma espécie de isolamento financeiro e logístico, que se estende também aos familiares.

Apesar de serem mecanismos legais de pressão internacional, essas sanções levantam debates importantes sobre proporcionalidade, transparência e devido processo legal. A depender do país que emite a sanção, o sancionado pode não ter sequer a oportunidade de apresentar defesa ou contestar formalmente as acusações.

Em um cenário internacional cada vez mais polarizado, é preciso cautela ao confiar medidas tão graves a decisões administrativas. O fortalecimento institucional passa, necessariamente, por regras claras, processos justos e respeito às garantias individuais.

Ao sancionar um ministro da Suprema Corte de uma democracia funcional, os EUA abrem um precedente delicado. Se por um lado a Lei Magnitsky representa um avanço global na responsabilização por violações de direitos, por outro, sua aplicação seletiva e politizada pode fragilizar sua credibilidade e ser utilizada como ferramenta de ingerência externa. No limite, o episódio projeta uma pergunta incômoda: estamos assistindo ao fortalecimento de um novo tipo de Guerra Fria — não mais por armas ou territórios, mas por decisões judiciais?

As análises e opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem, obrigatoriamente, a posição institucional ou o ponto de vista da organização.

 

Texto: Danielle Salomão e Mariana Pimentel (Consultoras do CAM/FRB)

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