Mobilidade social e o jogo eleitoral

Mobilidade social e o jogo eleitoral

Léo-Barreto-682x1024Nenhum evento político pode ser explicado por um único motivo. Eles são o resultado da interação entre variáveis que podem ser mais ou menos controladas. Circunstâncias, costumes, estratégias e também o acaso são  elementos que tornam a equação política dinâmica e fluida.

Em busca da compreensão do fenômeno político, formam-se os modelos explicativos que, inevitavelmente, reduzem e simplificam a realidade complexa. Eles funcionam da mesma forma com que um globo terrestre de papelaria passa uma ideia do mundo: permite a visualização concreta de conceitos abstratos, sendo útil desde que os seus limites não sejam desconsiderados.

No que toca aos fatores decisivos em eleições presidenciais, mesmo ideias cristalizadas como o desempenho econômico do governo têm dificuldades para serem confirmadas isoladamente (o famoso “é necessário, mas não suficiente”).

Por exemplo, estudo realizado pelos cientistas políticos Adam Przworski e José Antônio Cheibub  com 135 países não encontrou correlação entre desempenho econômico e reeleição, fazendo-os concluir ser “possível que os eleitores se preocupem com outras coisas que não o seu bem-estar material”.

Faz parte da análise política testar e acrescentar variáveis na tentativa de obter modelos mais sofisticados e próximos da realidade. Sobre as eleições presidenciais brasileiras, apesar do número restrito de casos observáveis (de 1989 para cá), algumas explicações sobre o voto já foram consolidadas e podem ajudar a entender o que estará em jogo em 2014.

Nosso atalho é o trabalho dos cientistas políticos Lúcio Rennó e Vitor Peixoto. Utilizando o Estudo Eleitoral Brasileiro realizado em 2010, eles testaram um conjunto de treze variáveis de natureza sócio econômica e de conjuntura política, entre elas a aprovação do governo e participação em programas sociais, por exemplo.

Os fatores tradicionais (verificados como sendo importantes também em outras eleições) que influenciaram o voto em Dilma foram a aprovação do governo e a identificação partidária com o PT. Os fatores circunstanciais foram ter votado em Lula na eleição anterior e, principalmente, ter experimentado um processo favorável de mobilidade social (a participação em programas sociais não foi estatisticamente importante, apesar de estar indiretamente associada à mobilidade de parte da população).

Com o distanciamento do período Lula, é possível que a percepção de mobilidade social continue e ganhe mais força como fator circunstancial de decisão da disputa presidencial. Ela traz a questão econômica de volta, mas de forma qualificada. O crescimento do PIB, o nível de emprego, a inflação, o endividamento das famílias, as oportunidades de educação, a corrupção e a eficiência da gestão só servirão para construir narrativas eficazes de reforço ou de contestação do atual governo se conseguirem contar de forma ajustada como elas interferem no crescimento pessoal dos indivíduos, passado e futuro.

A ideia de mobilidade social é uma meta política típica de regimes democráticos e mostra o processo de evolução do país nesse sentido. Em contextos de liberdade, os indivíduos são capazes de transformar suas aspirações em plataformas políticas, tomando a agenda eleitoral.

Não é simples sintetizar uma narrativa sobre mobilidade social, considerando principalmente que os indivíduos possuem condições e percepções distintas a respeito do que precisam para evoluírem. Por exemplo, para uma parte da população, as expectativas de melhoria de vida estão vinculadas ao auxílio de programas governamentais. Para outra, o crescimento está ligado ao esforço pessoal e a sua principal reivindicação é que o governo não as atrapalhem tanto.

Para complicar, a distinção entre os grupos está ficando cada vez menos clara. Muita gente ascendeu nos últimos anos, mas a sua posição não é tão consolidada como as da classe média tradicional, sem contar que um contingente enorme de pessoas ainda está na rabeira da pirâmide social brasileira… Este é o mapa eleitoral sobre o qual os presidenciáveis terão que se debruçar e fazer suas opções estratégicas no ano que vem.

Como o efeito maior ou menor das narrativas varia também de acordo com a credibilidade do interlocutor (outra variável) que, por sua vez, é construída em torno de dados, experiências de gestão anteriores e aspectos biográficos, as táticas serão determinadas pelo perfil dos presidenciáveis. Nesse sentido, Dilma está muito atrelada ao discurso das políticas sociais e Aécio ao tema meritocrático, uma  tese que, se não for suficiente para o atual momento, tende a se tornar a narrativa hegemônica no futuro na medida em que as pessoas melhorem e dependam mais de si e menos do Estado. Campos ainda não deixou claro o que vai fazer, mas a presença de Marina lhe oferece um forte conteúdo simbólico de mobilidade por esforço próprio.

Portanto, não é a economia. É a economia associada às trajetórias pessoais, é o fornecimento perspectivas de mobilidade social. As narrativas presidenciáveis, mais do que perguntas retóricas, terão que responder a clássica pergunta feita pelos cientista político americano Samuel Popkin: “afinal, o que o governo tem feito (ou pode fazer) por mim nos dias atuais?”

Leonardo Barreto

Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília e coordenador acadêmico da Fundação Republicana Brasileira

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