O triste passado manicomial brasileiro – Conjuntura Republicana Ed. nº 189

O triste passado manicomial brasileiro – Conjuntura Republicana Ed. nº 189

Uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo no último dia 15 de setembro revelou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está tentando desativar manicômios judiciais, encaminhando 2.276 internos para o Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de cumprir a Lei Antimanicomial de 2001. A regulamentação, que visava promover uma verdadeira reforma da psiquiatria no país, já completou 23 anos, mas amarga em retrocessos e morosidade.

A obra de Daniela Arbex, intitulada “Holocausto Brasileiro”, mostra com profundidade que, em um passado recente, o Brasil promoveu uma das maiores políticas públicas de eugenia, um tema ainda hoje pouquíssimo debatido. O Hospital Colônia, fundado em 1903 no município de Barbacena (MG), funcionou até a década de 1990 e, de acordo com Daniela Arbex, foi responsável pelo genocídio de mais de 60 mil vidas.

Com requintes de crueldade, pessoas com algum tipo de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), perseguidos políticos, amantes, prostitutas, homossexuais e pessoas em situação de rua eram literalmente depositados no Hospital Colônia. Sem qualquer lógica ou planejamento, a política pública de eugenia submetia os internos a condições degradantes. As pessoas ficavam nuas e sem local adequado para dormir ou realizar suas necessidades fisiológicas.

A chegada ao hospício era feita de trem e a locomotiva cortava o interior do país com o destino Hospital Colônia. Essa situação lembra os campos de concentração nazistas, como Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial. Inclusive, foi nesse contexto que surgiu a expressão “trem de louco”, posteriormente incorporada ao vocabulário mineiro por meio dos escritos do poeta João Guimarães Rosa.

Ainda com o intuito de relatar a gravidade do problema, o psiquiatra Ronaldo Simões, citado por Arbex, denunciou a situação do hospício no III Congresso Mineiro de Psiquiatria, realizado em 1973. Simões afirmou:

“Lá, existe um psiquiatra para 400 doentes. Os alimentos são jogados em cochos, e os doentes avançam para comer. O que acontece no Colônia é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente.” (ARBEX, 2009, p.180).

Conforme foi evidenciado, o longo caminho percorrido pelas políticas públicas psiquiátricas no Brasil é marcado por uma história de exclusão, desumanização e omissão. A tentativa atual do CNJ de desativar manicômios judiciais e encaminhar os internos ao SUS reflete o esforço em cumprir a Lei Antimanicomial de 2001. No entanto, ainda estamos longe de reparar a dívida histórica com aqueles que foram marginalizados e tratados como menos que humanos.

 

Fonte: ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

Texto: Fábio Vidal (Núcleo de Estudos e Pesquisas FRB)

Foto: ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

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